quarta-feira, outubro 25, 2006

Sublinhados

FEIOS, PORCOS E MAUS
-ETTORE SCOLA

Compram aos catorze a primeira gravata
com as cores do partido que melhor os ilude.
Aos quinze fazem por dar nas vistas no congresso
da jota, seguem a caravana das bases, aclamam
ou apupam pelo cenho das chefias, experimentam
o bailinho das federações de estudantes.
Sempre voluntariosos, a postos sempre,
para as tarefas de limpeza após o combate.
São os chamados anos de formação. Aí aprendem
a compor o gesto, a interpretar humores,
a mentir honestamente, aí aprendem a leveza
das palavras, a escolher o vinho, a espumar
de sorriso nos dentes, o sim e o não
mais oportunos. Aos vinte já conhecem
pelo faro o carisma de uns, a menos valia
de outros, enquanto prosseguem vagos estudos
de Direito ou de Economia. Começam, depois
disso, a fazer valer o cartão de sócio: estão à vista
os primeiros cargos, há trabalho de sapa pela frente,
é preciso minar, desminar, intrigar, reunir.
Só os piores conseguem ultrapassar esta fase.

Há então quem vá pelos municípios, quem prefira
os organismos públicos - tudo depende do golpe
de vista ou dos patrocínios que se tem ou não.
Aos trinta e dois é bem o momento de começar
a integrar as listas, de preferência em lugar
elegível, pondo sempre a baixeza acima de tudo.
A partir do Parlamento, tudo pode acontecer:
director de empresa municipal, coordenador de,
acessor de ministro, ministro, embaixador na Provença,
presidente da Caixa, da PT, da PQP e, mais à frente
(jubileu e corolário de solvente carreira),
o golden-share de uma cadeira ao pôr-do-sol.
No final, para os mais obstinados, pode haver
nome de rua (com ou sem estátua) e flores
de panegírico, bombardas, fanfarras de formal.

José Miguel Silva
in: MOVIMENTOS NO ESCURO
Relógio D'Água, 2005 - Lisboa

P.S. Sendo desta massa que os nossos políticos são feitos, porque insistimos em querer que voem? Razão tem o Zimbro, os eleitores é que têm que mudar.

9 comentários:

Mário Azevedo disse...

Esteva,
Consegues dizer quantos ministros deste Governo fizeram esse percurso? Assim de repente, só me lembro (talvez) de dois, Sócrates e António Costa.

Anónimo disse...

Texto muito realista... boa escolha! Tinha 1 colega da faculdade que tinha de ser engenheiro... o pai tinha guardado para ele um lugar na autarquia... era um verdadeiro "nabo", dos piores alunos do curso mas... pacientemente ia pedindo um "dezito" aos profs. porque era a última cadeira... fez isto com n profs.... deve ter dado um bom político, sem escrúpulos e sem qualidades...

kimikkal disse...

Este texto fez-me lembrar o trajecto de alguns colegas

kimikkal disse...

São os chamados "políticos profissionais"

I disse...

Não tem a ver com o post de hoje, mas enviram-me isto


"Professores



O umbigo da Ministra da Educação deve ser tão GRANDE que não a deixa ver/ouvir opiniões diferentes da sua. Há qualquer coisa que não está a funcionar bem no Ministério da Educação. Existe uma determinação em abstracto do que se deve fazer, mas compreensão muito escassa da realidade concreta. O que se passa com o ensino do Português e a aprendizagem dos textos literários é escandaloso. Onde deveria haver sensibilidade, finura e inteligência na compreensão da literatura, há apenas testes de resposta múltipla completamente absurdos. Assim não há literatura que resista. Há tempos, dei o exemplo da regulamentação por minutos e distâncias de determinadas provas. O ministério respondeu-me que se baseavam na mais actualizada bibliografia e que tinham tido reacções entusiásticas perante tão inovadoras medidas. Não me convenceram minimamente. Trata-se de dispositivos ridículos e hilariantes, que provocam o mais elementar bom senso.



O problema reside em considerar os professores como meros funcionários públicos e colocá-los na escola em sumária situação de bombeiros prontos para ocorrer à sineta de alarme. Mas a multiplicação de reuniões sobre tudo e mais alguma coisa não permite que o professor prossiga na sua formação científica.



Quando poderá ler, quando poderá trabalhar, quando poderá actualizar-se? Não é certamente nas escolas que existem condições para isso. Embora na faculdade eu tivesse um gabinete, sempre partilhado com mais quatro ou cinco pessoas, nunca consegui ler mais do que uma página seguida.

Não existem condições de concentração. Pelo caminho que as coisas estão a tomar, assistiremos a uma barbarização dos professores cada vez mais desmotivados, cuja única obsessão passa a ser defenderem-se dos insultos e dos inqualificáveis palavrões que ouvem à sua volta. A escola transforma-se num espaço de batalha campal, com o apoio da demagogia dos paizinhos, que acham sempre que os seus filhos são angelicais cabeças louras. E com a cumplicidade dos pedagogos do ministério.



Quando precisaríamos como de pão para a boca de um ensino sólido, estamos a criar uma escola tonta e insensata.



Neste benemérita tarefa tem-se destacado o secretário de Estado Valter Lemos. É certo que a personagem se diz e desdiz, avança e volta atrás com a maior das facilidades. Mas o caminho para onde parece querer avançar é o de uma hostilização e incompreensão sistemática da classe dos professores.Com isto prejudica o país, e prejudica o Governo, com um primeiro-ministro determinado e competente, mas que não pode estar atento a todos os pormenores. E prejudica o PS, mas não sei se isto preocupa. Vem agora dizer que o professor deve avisar previamente que vai faltar, o que no limite significa que eu prevejo com alguns dias de antecedência a dor de dentes ou a crise de fígado que vou ter. E que deve dar o plano da aula que poria em prática caso estivesse em condições. Donde , as matérias são totalmente independentes de quem as ensina, basta pegar no manual, e ala que se faz tarde. Começa a tornar-se urgente uma remodelação do Governo, mas isso é tema delicado a que voltarei mais tarde.



Professor universitário, Eduardo Prado Coelho"

Anónimo disse...

Os professores andam todos muito chateados com a ministra da educação e a sua revisão da carreira docente. Um dos argumentos ouvidos pelos professores é que ela não os respeita porque acha que são todos uns preguiçosos, que faltam demasiado, não se envolvem com o meio educativo... Os professores têm razão. Como em todas as profissões há bons e maus profissionais e não podemos generalizar.
E se é assim para os professores, porque aplicamos um argumento diferente para os políticos.
As generalizações são muito perigosas, injustas e, principalmente fáceis.
Como dizia o Eduardo Lourenço: numa democracia a culpa é de toda a sociedade.
Eduarda

Kaos disse...

Tinha quase 17 anos quando foi o 25 de Abril. Vi e conheci muita desta gente que hoje é ministro e até um ex-primeiro ministro subirem dentro de partidos. Nunca gostei e por isso rápidamente procurei outras vias de lutar por uma sociedade mais justa. Pisar os outros para subir nunca foi do meu gosto.
bjs

medronho disse...

Última HORA: o Governo está a pensar legislar, que só os (candidatos a) profs com Mestrado possam dar aulas.

Anónimo disse...

tá mal. se qualquer bronco(a) pode ir para político, porque é que qualquer bronco(a) não pode dar aulas... como tem sido assim até aqui?

mais uma frase que saiu do 25 de abril:
"putas ao poder que os ..." alguém sabe o resto?

TAMBÉM PENA DE MORTE PARA OS ELEITORES JÁ.